Confiram

quinta-feira, 14 de junho de 2012





Não faço perguntas, tenho medo das respostas que já sei. Devolverei a matéria ao pó do que fora feito, mas quando eu morrer quero ver a 'Criação de Adão' de Michelangelo: a imagem do homem suplicante, braço esticado, dedo indicador quase tocando o dedo do braço divino, o de Deus arrodeado de anjos. Adoro as rosas vermelhas, mas quando eu morrer espero enxergar lírios brancos e então imaginar a revoada de borboletas verde-musgo no inverno do Pantanal. Acostumei meus ouvidos ao canto dos bem-te-vis na alvorada e na Primavera ao  piar rimado dos bandos de periquitos, mas quando eu morrer quero enxergar uma nuvem de albatrozes e fazer de meus braços asa para migrar com eles e um dia retornar... numa outra estação. Perdi a conta das vezes que vi o pôr do sol, mas quando eu morrer quero ver a alvorada, a Estrela Dalva se insinuando  no horizonte e o astro rei derramando a sua área encarnada, refletida no mar. Me emociono com as despedidas de beijos e abraços, mas quando eu morrer quero apenas acenar as mãos; sair de cena acenando em slow motion para as pessoas que um dia amei (vocês) e que um dia me amaram e reencontrar nesse derradeiro desfile de imagens as palavras nunca ditas. Sair de cena para os amigos e conhecidos, olhar iluminado para enxergar rosto a rosto e então retribuir-lhes a saudade com um sorriso. E quando me aproximar do umbral onde não há mais multidão e onde os últimos acordes se desfazem com as nuvens, olhar para trás, apenas para ter certeza de que a morte não existe. Nasci e morri todos os dias no meu inconsciente e devo continuar a nascer e morrer, por mais trinta e poucos anos, se as minhas contas e minha expectativa de vida estão certas. Tempo bastante para aprender alguma coisa. Para que a despedida seja harmoniosa e feliz e não suplicante. Quando eu morrer quero ouvir Rosas do Sul e andar descalço em tapete de flores de ipês amarelos; o preço desse sonho desconfio, é aproximar o meu personagem do que realmente sou. Encurtar essa distância deve ser o único sentido e objetivo da vida. Para que a morte seja apenas uma migração.

Nenhum comentário:

Postar um comentário